10 de nov. de 2014

Sobre ser outono

Onde eu moro, muito perto da linha do Equador, há praticamente uma estação apenas: verão. A temperatura varia entre quente e suportável, com chuva em alguns meses do ano. Quando tive a oportunidade de morar na Europa, uma das coisas que mais me animava era a perspectiva de viver quatro estações em um ano. Antes de conhecer o outono, eu suspeitava que ele era a minha estação favorita. Um dia, enquanto caminhava pela universidade, eu vi esta árvore:


As cores fizeram meu coração parar por uns segundos. Minhas suspeitas estavam certas: a beleza de nenhuma estação tiraria meu fôlego tanto quanto o outono tirava.

Hoje, enquanto eu vivo a primavera aqui no Brasil, o outono está bem longe de mim, no hemisfério norte. Por alguma razão, entretanto, foi pra lá que meu pensamento voou ao falar com o Senhor esta noite. Eu pensei nos meus milhares de planos, na forma como eu faço de tudo para que as coisas saiam de acordo com o roteiro que eu mesma escrevo. Pensei em como gerencio o meu tempo, querendo atender a tudo e a todos ao meu redor e às vezes sacrificando meu bem estar em troca do sentimento de ser super-heroína. Pensei no meu orgulho, na dificuldade que é voltar atrás em qualquer projeto pessoal. Pensei em como eu tenho uma necessidade de que as coisas aconteçam na hora em que eu acho que elas devem acontecer. Qualquer coisa além disso me traz ansiedade e sofrimento. E meu coração, que parou por uns segundos há mais ou menos um ano vendo as cores daquela árvore pela primeira vez, me falou:

- Você precisa ser outono.

Fiquei olhando para o papel em branco na minha frente, até que as palavras se organizassem claramente dentro de mim. Lembrei da lógica das estações, de que o cair total das folhas dá espaço para que a árvore passe pelas transformações que a permitirão frutificar e florescer. Lembrei que, quando o outono passa, a impressão que o inverno deixa é que acabou tudo. Que a planta morreu, que é impossível recuperar a beleza que um dia esteve ali. E quando a gente já se acostumou com a paisagem cinzenta, os primeiros sinais de verde começam a aparecer. É primavera. Flores e frutos se estendem até o verão. Até que os laranjas, vermelhos e marrons voltam a tomar conta do cenário, até que seja outono mais uma vez.

Pensei no tanto que quero produzir coisas novas e gerar resultado. No tanto que quero que as pessoas me vejam como referencial. Na minha busca constante por excelência. No quanto a ideia de fracassar em qualquer coisa é insuportável pra mim. No quanto é difícil abrir mão do que quer que seja pro Senhor agir em mim, virar meu mundo de cabeça pra baixo, me mostrar o que meu ego de primavera não me deixou ver. Eu gosto tanto do que faço, das folhas que conquistei para minha árvore, que me recuso a ser outono.

É preciso deixar a folha cair, ainda que isso signifique enfrentar os meses de inverno - em que as transformações são tão confinadas ao interior que quem vê de fora pensa que a vida se foi, que daquela árvores não se pode esperar mais nada. É preciso saber que o verde e os frutos da primavera não crescem sobre as carcaças do outono.

A condição da novidade de vida é que alguma coisa tem que morrer. Que morram, então, as folhas da minha vaidade, das minhas prioridades erradas, do meu desejo de perfeição que me cega pro crescimento interior que realmente importa e sem o qual eu não posso de fato oferecer algo contundente e transformador a quem está ao meu redor. Que morram os meus planos atropelados, as minhas soluções equivocadas e preguiçosas, as minhas verdades falsas sobre as pessoas e sobre mim mesma.

Qualquer tentativa de chegar a algum lugar pelas minhas próprias forças é vazia, contudo, o Senhor mandará de dia em dia a sua misericórdia, e de noite a sua canção estará comigo: a oração ao Deus da minha vida (Sl 42:8). Quero frutos e flores, mas muito mais beleza há em me lançar ser medo nos braços do Senhor e permitir que as folhas caiam. Se eu deixar que seja outono, ele traz a primavera. 


Eu preciso ser outono
Pra que Ele me encha de primavera.
Eu preciso que as folhas sequem
Eu preciso que as folhas caiam
Pra que a vida a pulsar em mim
Venha dele e dele somente,
Pra que a vida a recomeçar
Seja sua graciosa semente.
Eu preciso ser outono
Pra que flores e frutos
E beleza e vigor
Recaiam dos céus
Sobre mim novamente.